Estava na estação Mangueira esperando o meu Campo Grande. No banco à minha esquerda, havia um menino, um moleque de rua sujo e distraído. Eu o olhava fixamente até que ele percebeu. O garoto, simplesmente veio sentar ao meu lado.
Eu não reagi. Algo muito estranho se apossou do meu coração, uma vontade de me deixar morrer. Posso não ter levantado, mas eu senti o perigo do meu preconceito e o perigo do silêncio. Ele sentou-se ao meu lado e continuou a olhar os trilhos, sem me dar atenção alguma.
E eu percebi, como tenho feito em muitos homens, o quanto ele era ainda um menino. Com os homens, costuma ser ao contrário: eu acho algo de menino neles. Mas nesse garoto, eu vi algo de homem, a maldade que criei dele. A maldade dos homens sabidos. Criamos para ele, um menino.
O trem estva chegando. Finalmente, o menino disse:
- Tem cigarro, Dona?
- Não. Não fumo.
Entrei no trem. E quando ele deu a partida, deu pra ver que o menino achara os cinco reais eu havia deixado em cima do banco, pra ele. Talvez ele compre cigarro ou maconha ou crack. Qualquer dessas coisas que meus conhecidos também costumam comprar pra ficar numa boa. Mas eu acreditei, talvez, que ele pudesse comprar um lanche qualquer na lanchonete da estação São Cristóvão.
Cinco reais não me custaram nada. Será que pouco mais de tempo também me custaria?
Uma senhora dentro do trem estava pedindo dinheiro. Bradava aos ouvidos cansados dos outros passageiros que necessitava pagar o aluguel e sustentar os filhos.
Quando ela passou por mim, dei-lhe dois reais. Ela me disse: "Muito obrigada. Que Deus lhe abençõe."
Sete reais. Não me custaram nada. Custaria um pouco mais de coragem, também?
Mas coragem pra quê?
A janela do trem bagunçava o meu cabelo. Saindo do Méier para Engenho de Dentro, ou melhor, Olímpica de Engenho de Dentro, eu fiquei de costas para o trem e como aquele menino da mangueira pode muitas vezes fazer, meti minha cara pra fora. O vento rasgava meu rosto, meu cabelo me machucava, mas eu estava lá, quase em êxtase.
Até que senti uns tapinha na bunda. Era uma senhora que, assim que me virei, me disse:
- Fica assim não, minha filha, é perigoso!
Eu a olhei meio embaçada, enquanto minha pupila se adaptava a relativa escuridão do trem. Sem graça, agradeci a senhora e pedi desculpas por tê-la preocupado. Ela só sorriu e disse pra eu tomar cuidado com os trens que vêm na direção contrária. Disse, carinhosamente, que poderia levar a minha cabeça.
O trem apitava, indicando que fecharia as portas, quando subitamente sai tresloucada e desembarquei em Engenho de Dentro, droga! Olímpica de Engenho de Dentro. O meu destino era Campo Grande.
Mas que droga de destino é esse? Sempre saltando em Campo Grande, sempre saltando em Campo Grande, sempre saltando em Campo Grande! Sentei em um dos bancos e pensei: aqui funcionavam as oficinas de trem. Olhei para o lado do Engenhão, e lá estavam algumas construções antigas. Antes de ser Olímpica.
Depois, fiquei olhando para a placa no final da estação que dizia: Não ultrapasse a linha. E se eu ultrapasse a linha? Eu sei bem o que aconteceria. Ou não sabia, ainda não a tinha ultrapassado, não estava nem mesmo equilibrada num pé só.
Lembrei de Fernanda Montenegro e do menino Josué.
Lembrei do menino da Mangueira.
Anunciava a chegada de um Bangu. Eu tava com um troço dentro de mim que seria capaz de ir andando até Campo Grande. Mas foi então que eu pensei:
Não posso mais esperar pra viver a minha vida!
Quase rompeu meu coração esse pensamento tão vivo! Não posso mais esperar pra viver, assim como um criança não me aguenta ao esperar os presentes de natal! Peguei o Bangu e minha expressão de mulher carioca aos 22 anos de idade não transparecia o revolução que acontecia aqui dentro!
Chegaria em Bangu e pegaria um outro trem, para Campo Grande. Um outro trem para levar para casa, um outro trem! Um outro trem...
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